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domingo, 9 de julho de 2017

BEBER O DEFUNTO.

Havia um hábito nada mórbido, pois festivo, em alguns lugares do Nordeste, de transformar o velório numa comemoração.
Chamava-se beber o defunto. Na Bahia, principalmente, descendo do Recôncavo até o Raso da Catarina. Era uma prática que imitava um costume mexicano, que faz do sepultamento uma festa. E transforma o dia de finados num evento de louvação da vida, e não chorumela da morte.
É bem verdade que, no mesmo Nordeste, principalmente na Zona da Mata, e fronteiras de Pernambuco, o velório era um evento choroso e chato, com carpideiras compradas para prantear o morto. E aí se compensava a hipocrisia de parentes que se viam livre do defunto, ou que receberiam bens e dinheiro do inventário.
Geralmente com as frases prontas, que a velha fornalha hipócrita tostava de falsa saudade: “Foi um descanso para ele”. “A vida continua com sua memória”. As carpideiras choravam as incelenças, enquanto nos cantos da casa escolhia-se o inventariante.
Por que de Pernambuco à Bahia? Porque era a área mais próspera do Nordeste. Aqui no Rio Grande do Norte, fora algumas exceções, cada defunto nem merecia carpideira ou enganação. Se era boa praça, de família pobre, os parentes choravam de vera. Se não prestava, carregavam pra cova em silêncio, por respeito aos vivos.
Não precisavam de carpideiras nem de festejo. Defunto sem herança já ia tarde. Ou como diria Zé de Estevão, “dane-se amadiçoado”.
Outra prática comum é o anedotário em que se transformam os velórios. Com prevalência das anedotas de português e papagaio. Dizem as línguas mais ácidas que algumas dessas estórias fazem ri até o finado.
Já contei aqui um episódio acontecido em Tangará, nos tempos áureos da liderança de Theodorico Bezerra. O Majó encarregou um assessor para representá-lo no sepultamento de um cabo eleitoral.
Dias depois, o Deputado Theodorico, que estava no Rio de Janeiro, recebeu do assessor um telegrama. “Missão cumprida vg velório muito produtivo pt”.
Ainda acontecia, ou acontece, casos de inveja de vizinhas com viúvas jovens e bonitas. No velório de Tomás Tertulino, fazendeiro que deixou a jovem viúva rica, ouvia-se as lamúrias de dona Arcanja, invejosa vizinha: “Essa aí num vai deixar nem o finado esfriar”.
Ano passado, cá no Martins, um velório ímpar. Velava-se uma senhora, numa sala simples. Seu neto choroso ao lado do caixão. Nisso, param dois homens numa moto. Invadem o ambiente e fuzilam o neto da defunta.
Correria e confusão. A polícia chega e não deixa mexer em nada. Era esperar a perícia de Mossoró. Encostaram o caixão velado na parede, ficando o corpo “novo” estirado num riacho de sangue e o da finada, num canto, agasalhado de solidão.
O texto é apenas um relato suave, diante do noticiário político/policial dos tempos atuais.
Té mais.

Fonte: François Silvestre

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