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domingo, 21 de setembro de 2014

OS CANDIDATOS E A EDUCAÇÃO.

Até a morte trágica de Eduardo Campos, esta campanha tinha um característica especial: os principais candidatos à Presidência podiam exibir experiências reais na administração de sistemas educacionais de grandes regiões, de forma que era possível não apenas julgar seus programas de governo como também os resultados de sua gestão. Com a entrada de Marina, perde-se essa dimensão da experiência, mas ganha-se com as informações anotadas no plano de governo mais detalhado entre os três principais postulantes. Combinando a análise do passado e os planos de futuro, faço a seguir a minha leitura sobre a relação dos candidatos à Presidência com a área da educação. Apenas duas ressalvas preliminares: minha opinião sobre as propostas educacionais de cada um deles não significa uma avaliação global sobre o candidato, muito menos uma declaração de voto. Há outras dimensões fundamentais para a decisão de voto, e não tenho nenhum vínculo, formal ou informal, com nenhuma das campanhas.
O melhor candidato é Aécio Neves. Sua plataforma de propostas é aquela que denota maior preocupação com o problema mais urgente a ser combatido: a qualidade do ensino, especialmente nos primeiros anos do ensino fundamental. A primeira diretriz do candidato do PSDB já aponta para a necessidade de vincular a remuneração dos professores ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Nem é o ponto em si que me parece vital — a literatura mostra que programas que dão dinheiro diretamente ao professor não vão bem, e o ideal é que a escola como um todo se beneficie, até porque a obtenção do resultado é da coletividade de professores —, mas sim a sinalização de que esse é o eixo fundamental do programa. Na sequência das diretrizes (links para os programas estão em twitter.com/gioschpe), está toda uma série de iniciativas determinantes para o aprimoramento do nosso sistema educacional, a maioria das quais ignoradas pelas outras candidatas: criação de uma política nacional de formação de professores; estímulo federal à criação de acordos focados em resultados nos estados e municípios; definição de bases comuns para um currículo nacional, “estabelecendo com objetividade e clareza o que é básico e indispensável que todos os alunos brasileiros aprendam em cada ano”; reformulação das diretrizes do ensino médio, permitindo a escolha por ensino técnico já nesse nível; criação de um programa nacional que auxilie estados e municípios a traduzir os resultados das avaliações externas de qualidade educacional em práticas eficazes em sala de aula. Além desses aspectos qualitativos está lá o apoio ao gigantismo quantitativo, defendendo os 10% do PIB para a educação do PNE, expansão da matrícula em creches e pré-escolas, expansão da escola de tempo integral etc.
O programa é tanto mais crível porque Aécio e seu sucessor, Anastasia, tiveram uma gestão comprometida com a melhoria da aprendizagem em Minas Gerais. O Ideb da rede estadual mineira ao fim do ensino fundamental era de 3,6 em 2005, primeiro ano disponível, passando para 4,4 em 2011. Minas passou do 3º lugar no país em 2005 para o 2º em 2011, superando São Paulo.
Em segundo lugar vem Dilma, que teve na educação uma das poucas áreas em que seu governo apresentou avanços. Quatro programas de sua gestão foram importantes para o setor: o Ciência sem Fronteiras, que até o fim do ano terá concedido 101 000 bolsas a universitários para que estudem no exterior; o Pronatec, que fomenta o ensino técnico e já conta com 8 milhões de vagas abertas, em uma parceria com o competente sistema S; o Pnaic, programa que visa a alfabetizar nossos alunos no início do ensino fundamental, e, finalmente, a expansão do Fies, programa de financiamento do ensino superior, que permitiu continuada expansão da matrícula, através das universidades privadas. Não seria muito correto julgar seu governo pelo Ideb do país, já que a educação básica é de responsabilidade de estados e municípios, mas nosso lento progresso nacional é um espelho dessa gestão, que fez coisas positivas mas nunca teve a disposição para mexer em questões realmente fulcrais, como formação de professores, exigências de contrapartidas para a liberação de recursos, currículo nacional etc.
Em termos programáticos, a área da educação tem a mesma tônica do resto da campanha dilmista, prometendo a continuação e expansão dos programas já existentes. O viés é totalmente quantitativo, naquela crença de que, se se jogar um caminhão de dinheiro no sistema, professores despreparados e gestores incompetentes passarão a dar ótimas aulas. Fala-se em universalizar a pré-escola até 2016, educação em tempo integral, melhores salários para o professor, mais 12 milhões de vagas no Pronatec só no ano que vem etc. O Ideb não é sequer mencionado, nem o verbo “aprender”, muito menos a palavra “resultado” no que concerne a educação.
Por último, para minha surpresa, aparece Marina. Ela parte com o handicap de nunca ter administrado um sistema de educação em sua carreira. Mas soltou um plano de governo detalhado, de 242 páginas, devotando uma seção inteira à educação, que poderia inspirar confiança. Para este escriba, teve o efeito oposto. É um programa que parece se interessar mais por árvores do que por alunos. Eis o que diz em seu segundo parágrafo: “Para que sejam abertos caminhos menos poluidores e mais produtivos para o desenvolvimento do país, é fundamental o desenvolvimento de tecnologias, algo intrinsecamente dependente da formação escolar”. Parece que a função da escola é gerar tecnologias ecologicamente limpas. Na mesma página, mais adiante, declara que a agenda estratégica do setor é “voltada para uma sociedade em transição para o desenvolvimento sustentável”. A tônica do restante das propostas me pareceu uma colcha de retalhos que mistura uma visão atrasada com tentativas de parecer modernoso e profundo, tudo permeado por uma ingenuidade ou, se preferirem, idealismo. Há apoio à expansão do ensino em tempo integral, mais uma vez com ênfase na questão verde: “A educação ambiental (...) torn­a-se um eixo fundamental da educação integral”. Os alunos no ensino integral deverão ter atividades agrícolas (?!), além de esportivas e tecnológicas. Também prevê a mobilização de clubes, comércio e igrejas para ampliar os espaços físicos e as responsabilidades pela implantação do ensino integral. Não bastassem os 10% do PIB que o setor já consumirá, ainda precisaremos de uma grande mobilização popular para implementar seus programas. O programa estipula que as novas escolas devem ser construídas de forma sustentável e ter gestão, adivinhe!, sustentável (claro) da água. Marina resgata uma bandeira petista da década de 90, ao focar seus esforços na redução das desigualdades. De todos os tipos: étnicas, regionais, rural versus urbana etc. Coloca como uma de suas políticas mais importantes a nacionalização de um programa do governo de Pernambuco que concede cursos intensivos de inglês e espanhol. Obviamente o domínio de uma língua estrangeira é fortemente desejável, mas nossas escolas ainda nem conseguem ensinar o português... O programa também faz uso questionável de dados para embasar suas teses. Um gráfico mostrando o investimento em educação compara os dados de investimentos públicos no Brasil com a soma de gastos públicos e privados de outros países, e o volume investido por aluno é apresentado em valores nominais e não em relação ao PIB per capita, tudo isso para mostrar que investimos pouco e precisamos de mais dinheiro para o sistema. Há ideias boas, como insistir na expansão de cursos técnicos, reforçar o Fies e o ProUni e vincular a remuneração de professores a um futuro Exame Nacional para Docentes. Mas a impressão geral é de uma certa cacofonia e falta de rumo, um desejo de acertar no cravo e na ferradura, tudo isso permeado por um linguajar empolado e uma obsessão pela questão ambiental que me parece esdrúxula para um país que ainda não conseguiu, em pleno 2014, passar do bê-á-bá.

Fonte: Gustavo Ioschpe/http://veja.abril.com.br/

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