RNPOLITICAEMDIA2012.BLOGSPOT.COM

domingo, 10 de agosto de 2014

VIDA QUE SEGUE.

O infortúnio, mais que a euforia, define nossa essência. A maneira como nos portamos em face dos incidentes cotidianos, por maior que seja o desastre, expõe aquilo que verdadeiramente somos, sem o verniz do sorriso fácil diante da bonança.
Reflito sobre isto, neste momento, em face da experiência vivida nas Jornadas Argentino-Brasileiras de Direito e Políticas Públicas, neste início de agosto em Villa La Angostura (Patagônia-Argentina), em homenagem ao grande administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello.
Em meio às brilhantes lições, a melhor delas colhi nas ruas daquela pacata cidade. De fato, há pouco mais de três anos, ela foi destruída por pedras e cinzas do vulcão Puyehue, com incalculáveis prejuízos para sua infraestrutura e para a vida de seus habitantes. Da noite para o dia, cobriu-se tudo com uma chuva especialmente destrutiva.
Não a conheci antes deste fato marcante, mas tenho certeza que ela está ainda mais bela do que jamais fora, reerguida pela união de toda a sociedade: Estado, empresas, ONG`s e cidadãos. Juntos, e em seis meses, não apenas fizeram ressurgir a cidade das cinzas, mas também retiraram qualquer menor indício de que algum dia uma nuvem vulcânica a tenha coberto, tapando-lhe até o sol.
Enfim, o rio Correntoso, carinhosamente apelidado de menor rio do mundo, voltou a correr cristalino entre seus dois lagos, em meio à admiração dos turistas, ainda mais embevecidos.
Viver esta história trouxe-me imediatamente duas imagens. A primeira, de saborosa memória do filme Perfume de Mulher, vem na forma do inesquecível diálogo de Al Pacino com a bela que queria aprender tango, mas tinha medo de errar. Prontamente, o professor de tango que o destino lhe deu responde: “Não se preocupe, o tango não é como a vida. Se você errar, basta continuar dançando tango!” E conquistam o salão e aplausos desacorrentados do medo, para descobrirmos ao final que a vida é igual ao tango.
Aconteça o que acontecer, a música da vida continuará tocando e não há alternativa senão dançar conforme sua melodia. Não há espaço para estancar e chorar. Sempre em frente nesta contradança diária!
A outra imagem imediatamente associada, vem de recente trauma vivido por nossa Noiva do Sol, trazido com a velocidade das chuvas de junho. Quase dois meses decorridos, a ferida continua aberta no coração de Natal, embora mal escondida por um curativo temporário, posto para tentar aliviar a dor e seus indesejados efeitos geológicos. Mas, a fratura continua exposta. A cada nova chuva, novos sobressaltos despertam toda a cidade, pondo-a à espera de um novo deslizamento.
As chuvas de Natal não são imprevisíveis nem tem a força descomunal da chuva vulcânica de Villa La Angostura. Porém, as forças naturais tornam-se ainda mais destrutivas quando vinculadas à incapacidade estatal de prontamente responder ao desastre, que, de incidente natural, transmuda-se em trauma social indignificante, com inúmeras vidas fora de prumo.
Neste ponto, agora não é a hora de averiguar se o tropeço era ou não inevitável – a responsabilidade civil se incumbirá disto -, temos que retomar imediatamente a dança econômico-social na região afetada, reconstruindo o que a natureza destruiu, com o reforço dos alicerces para que não ocorra novamente. Pois, se a humanidade ainda não consegue evitar a erupção de um vulcão, já temos tecnologia o suficiente para prevenir deslizamentos de terra decorrentes de chuvas de inverno.
E o passo há de ser retomado rapidamente, pois a música da vida das pessoas afetadas continua tocando em descompasso, impossível de repetir-se indefinidamente pelo tempo que se levou para reconstruir o calçadão de Ponta Negra.

Fonte: Luciano Ramos - Procurador-Geral do MPC-RN e Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP/http://tribunadonorte.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTÁRIO SUJEITO A APROVAÇÃO DO MEDIADOR.